segunda-feira, maio 17, 2010

Vamos comer Fugu?

A Confraria Gourmet, Amigos da Mesa estava completando um ano de existência. Foi no último verão que os doze amigos se mobilizaram pelo entusiasmo do Geraldo e resolveram formalizar uma Confraria Gourmet para dar continuidade aos encontros gastronômicos de todos os verões em Guaratuba. A mobilização entusiasta da diretoria levou todos a freqüentarem os cursos no Espaço Gourmet Gastronomia para que uma vez por mês fizessem seus encontros gastronômicos com muito estilo e requinte. As domas foram cuidadosamente escolhidas, os menus eram discutidos e selecionados para proporcionar a maior satisfação e prazer, desde a compra dos ingredientes no mercado municipal, passando pela cozinha com o afiar das facas, continuando pelo mise en place correto e limpo, a elaboração com a técnica recomendada e finalizando com o prazer de saborear os pratos acompanhados com vinhos escolhidos para harmonizar e realçar os diversos sabores dos pratos. Como não podia deixar de ser, para quem gostava, havia café, conhaque e os charutos no final.

Portanto não seria de estranhar que Geraldo, que foi escolhido o primeiro presidente por unanimidade, e não poderia ser diferente, estava empenhado que o cardápio do almoço comemorando o primeiro aniversário da Confraria fosse especial.

Para isso estavam agora os confrades sentados neste final de tarde, na beira da praia de frente para o mar, esperando o Geraldo para decidir como seria o cardápio. Pelo celular ela já tinha avisado entusiasmado como sempre, que tinha novidades.

Ao chegar ele foi logo dizendo:

- Já está escolhido, vamos comer fugu!!

- Fugu??!!! Responderam em coro os confrades.

- Sim fugu, não pode ter nada mais especial que isso.

Todo mundo ficou se olhando espantado.

- Eu não vou comer baiacu!!, protestou o Carlos.

- Como assim baiacu? Perguntou Felipe.

- Bom, é que no Japão o sashimi de baiacu é chamado de fugu, explicou Geraldo.

- Tô fora, baiacu não! Insistiu Carlos.

- Pô, não é baiacu, é fugu, o máximo da gastronomia japonesa. Se defendeu Geraldo.

Bom, a discussão se instalou, como seria natural, pelo veneno letal do peixe. Mas Geraldo, insistiu garantindo que conhecera um pescador de Brejatuba que além de saber cortar e retirar o veneno ainda habitualmente o comia com a família. Depois de muita argumentação todos concordaram que realmente seria algo especial comer sashimi de baiacu, aliás fugu, não sem antes irem conhecer e conversar com o tal pescador. E lá foram todos conhecer o Mestre Manoel, o especialista Guaratubense especialista em preparar baiacu.

No dia combinado lá estavam todos com suas domas impecáveis preparando as entradas e sobremesas já que o prato principal seria o velho e mirrado pescador que iria preparar.

Se ele é velho e costuma comer a perigosa e excitante iguaria, deve saber, senão já teria morrido, era o que repetia António brincando e provocando Carlos. Que ainda se mantinha em dúvida de encarar o desafio da tênue divisa da quantidade de veneno suficiente para provocar  o formigamento e torpor da ponta língua e a morte por excesso de dosagem do veneno. Foi essa dúvida que o fez, antes de iniciar a refeição, fazer com que Pingo, o cachorro akita da sua mulher e que ele por acaso detestava, provasse o fugu. Claro, isso ele fez sem que ninguém percebesse. Muito menos a sua mulher. Como o Pingo agüentou bem e passou no teste, lá foi ele para a mesa.

A refeição foi um sucesso. O perigo da morte era algo presente e tornava mais excitante ainda o prazer de saborear algo diferente.

Agora, já no café e charutos todos comentavam o que sentiram durante a degustação do prato. O grau de formigamento da língua, os risos nervosos, o controle do medo enfim um conjunto de sensações novas para todos numa refeição. Estava tudo ótimo, quando de repente:

- Carlos, o Pingo morreu!!!!! Gritou altos brados lá de dentro a mulher do Carlos.

Todos pularam das cadeiras, alguns gritaram, Carlos se desesperou. Isto porque Carlos já tinha contado para muita diversão e riso de todos que antes de todos comerem tinha dado uma porção de fugu ao Pingo.

Quando Elisa entrou na sala chorando o que ela viu foi um ambiente de terror, gente gritando, outros pulando, outro desesperado tentando vomitar e Carlos agarrado à garganta se lamentando. Geraldo estava estático, branco e sem nenhuma reação.

Ela parou olhando para todos não entendendo o que estava acontecendo e assustada com a expressão de Carlos.

Felipe gritava que estavam todos mortos, que não há solução nem forma de eliminar o veneno. Alguém já se sentia mal e se deitava no chão, um outro tentava chamar alguém pelo celular. Elisa continuava sem entender nada e até tinha parado de chorar a morte do Pingo. Mas a sorte que ela gritou mais alto que todos e deu uma chacoalhada em Carlos para que ele explicasse o que estava acontecendo. Foi Geraldo quem explicou rapidamente que tinham comido baiacu, um à parte, o fugu já tinha passado a baiacu, e que para testar se a quantidade de veneno era letal, Carlos tinha dado uma porção ao Pingo antes de todos comerem. E como o Pingo tinha morrido todos iriam morrer também.

De imediato Elisa saiu dando tapas em Carlos.

- Seu cachorro, fazendo isso com Pingo coitado, canalha! continuava ela dando uns tapas em Carlos, bem feito para vocês, como puderam fazer isso. Nunca mais vou te perdoar Carlos, nunca imaginei que você detestasse tanto do Pingo!!!

- Calma, calma Elisa vamos ver como resolver o problema, gritou Geraldo, pára com isso.

Ela se acalmou, se sentou e voltou a chorar.

- Vocês fizeram isso com o Pingo e ele coitado morreu atropelado.

- ATROPELADO????? Gritaram todos.

- Sim, o portão estava aberto ele saiu correndo e foi atropelado por uma camionete.

Depois do silêncio geral que se instalou, ninguém conseguiu se mexer mais nos 10 minutos seguintes. Só Carlos saiu para resolver o problema do coitado do Pingo, ainda sem saber como convencer Elisa, que não detestava os infindáveis uivos do Pingo tanto assim, a ponto de usá-lo como cobaia.

Uma dúvida pairou, quando seria a próxima reunião da Confraria e qual o cardápio a ser escolhido. Tortulhos?

 

Ocin, o aprendiz de Chef.

Livre adaptação sobre um fato real parecido, ocorrido no final da década de 50 em Benguela, Angola e constantemente lembrado pelo meu pai no meio de muitas risadas.

Para quem não sabe tortulho é como é chamado em Portugal um tipo especial de cogumelos colhidos por especialistas para não serem confundidos com a espécie venenosa.