segunda-feira, dezembro 28, 2015

DE VOLTA ÀS ORIGENS 1 – 18/12/2015


AINDA NO AVIÃO

Um dia me dei conta de que se passaram já 40 anos. Foi assim de repente. Acordei do sonho, ou das amarras psicológicas do passado. Comecei a olhar as fotos dos amigos no facebook e percebi que alguns dos lugares que eu conheci estavam diferentes, que os rostos dos meus amigos já não eram os mesmos. Pensei um pouco e me apercebi, meus filhos estão adultos.  Me olhei e me vi mais velho também, o tempo também passou para mim. Talvez por ser uma manhã cinza de domingo ou eu estar nostálgico talvez, mas o embate veio e veio forte. Tive que me olhar com atenção, talvez nunca me olhei assim, passou o tempo, passou rápido. Passou para mim também, ou será que passou por mim. Acho que passou por mim. A gente chega num lugar estranho e como não tem possibilidade de voltar vai vivendo sem pensar muito, um dia após o outro, se integrando, tentando crescer, criar raízes, vencendo. Mas as coisas não andam sempre em linha reta, na sequência certa. Às vezes a criança assustada, o adolescente inseguro e tímido o jovem medroso ou até o adulto imberbe, revoltado e marcado por tiros e morteiros aparecem. Sempre irão aparecer, cabe lidar com eles, mal ou bem, usá-los para avançar. Não deixá-los muito tempo soltos por aí fazendo estragos, se escondendo, se rebelando e lutando sem causa. Que nem agora ao perceber que já se passaram 40 anos.

Para quem é um refugiado, sou um refugiado, assumi isso também, talvez a forma de viver seja diferente, nunca vou saber. Talvez com outros seja diferente, mesmo vivendo o que eu vivi terão outros sentimentos, outras marcas, outras transformações, uma dor diferente, ou até uma sem dor. O que importa para mim agora, é como vi a vida, como a senti! Não existe sofrimento maior ou menor, não existe concurso entre dores ou de conquistas. Na essência, cada um tem o desafio da vitória sobre si mesmo. Depende do tamanho das suas perdas e danos. E esse tamanho cada um dá conforme quer, conforme se deixa atingir. Somos do tamanho que damos às nossas perdas e danos e como diz a Juliette Binoche no filme, nunca seremos mais os mesmos depois de cada perda. As minhas perdas eu as fiz grandes, outros fizeram pequenas, outros nem as fizeram. É assim. Talvez as façamos do tamanho das justificativas que precisamos dar e dos medos que não queremos vencer.

Engraçado, como as coisas aconteceram. Fui vivendo, às vezes escolhendo outras nem tanto. Sendo escolhido, empurrado, indo por aí, sendo levado pelos acontecimentos. Mais indo do que escolhendo. Conforme as necessidades vamos nos equilibrando, vivendo e aprendendo a viver. Elis, você estava certa. Fui andando por aí sem pensar muito, mais instintivo do que racional, talvez por isso nem vi passar estes anos. Vêm e vão-se empregos, lugares, colegas, pessoas, vontades e sentimentos. Vêm e ficam os filhos e as experiências, os sentimentos. Sempre andando, sempre buscando sem muito pensar nem avaliar. Sem se permitir parar, sem se permitir vacilar, foi vencer ou vencer, não existia caminho de volta. Foi assim, tudo muito rápido e intensivo, parece que foi ontem, mas já foram 40 anos. Sem pensar muito, sem muitas escolhas às vezes.

Por isso a decisão veio naturalmente, vou ter que ir a Portugal e a Angola. É preciso parar, avaliar, desacelerar, optar. Já não precisa correr tanto. Só um pouco, existem ainda muitos sonhos a realizar. Mas antes uma parada sentimental. Buscar de novo as raízes, a história.  Pronto, decidido. Pela facilidade, Portugal foi a escolha. Começar pelo fim. Retornar às origens pelo mesmo caminho. Um passo de cada vez.